Alá apresenta a nova qibla como sendo um presente especialmente para Mafoma, uma nova direcção que o «satisfaça» (v. 144). Esta é uma das várias passagens do Alcorão que apontam para uma especial solicitude de Alá para com Mafoma; um outro exemplo dessa solicitude é a delicada repreensão que Alá dirige a Mafoma por este se ter inicialmente recusado a casar com a sua ex-nora, contra a vontade de Alá (v. 33:37). Tais passagens levaram a que os não-crentes pensassem que Mafoma estaria a usufruir das vantagens pessoais decorrentes da sua condição de profeta, mas, para os muçulmanos, estas passagens sublinham o especial estatuto de Mafoma: os pormenores da sua vida, até as suas aspirações — o seu desejo de rezar voltado para a Caabá — são veículos através dos quais Alá revela verdades eternas e leis divinas. E o seu exemplo é normativo. Muqtedar Khan do Centro para o Estudo do Islão e da Democracia (Center for the Study of Islam and Democracy) explica: «Nenhum líder religioso exerce tamanha influência sobre os seus seguidores como Mafoma (que a paz esteja com ele), o último profeta do islão... Tanto assim, que as palavras, os feitos e os silêncios (aquilo que ele viu e não interditou) de Mafoma tornou-se fonte autónoma de lei islâmica. Os muçulmanos, não só obedecem, mas tentam emular e imitar o seu Profeta em todos os aspectos do seu dia-a-dia, como parte da sua observância religiosa. Deste modo, Mafoma é o veículo e também a fonte da lei divina».
Os versículos 151-157 incentivam os crentes a ser perseverantes; o versículo 158 sanciona uma prática pré-islâmica, durante o Hajj, a peregrinação a Meca; e os versículos 159-177 recuperam como tema a perversidade dos incrédulos. Aqueles que rejeitam o islão chamam sobre si as maldições de Alá, «dos anjos e de toda a humanidade» (v. 161), e o inferno será a sua morada eterna (v. 162; cf. Pickthall: «They ever dwell therein.»). Em contrapartida, o fardo dos fiéis não é pesado. Apenas têm que se abster de comer determinados alimentos, entre os quais o porco (v. 173). Alguns, entre os infiéis, teimam em ocultar as revelações feitas por Alá (v. 174). Aqueles que disputam acerca do que Alá revelou estão em «cisma profundo» (v. 176). O tafsir al-Jalalayn declara que quem o faz são, novamente, os judeus.
Os versículos 177-203 legislam sobre diversas matérias: zakat (esmola), o jejum do Ramadão, a Hajj e a jihad. O versículo 178 define a lei da retaliação (qisas) por homicídio: a vida da vítima deve ser resgatada por igual valor, pena que pode ser remida sob a forma de dinheiro-de-sangue (diyah): um pagamento para compensar a perda sofrida. Na lei islâmica (sharia) este montante compensatório varia de acordo com a identidade da vítima. «Umdat al-Salik» (A confiança do viajante), um manual para a aplicação da sharia — o qual, de acordo com a prestigiada Universidade Al-Azhar, situada no Cairo, está conforme «prática e a fé da comunidade sunita ortodoxa» —, determina que o montante a ser pago pela morte de uma mulher é metade do que há-de ser pago pela de um homem e pela morte de um judeu ou de um cristão, um terço do valor a pagar pela vida de um muçulmano de sexo masculino (o4.9). Para uma explicação sobre esta matéria, leiam-se as palavras do xeque sufi Sultanhussein Tabandeh.
Os versículos 190-193 estão entre os mais importantes do Alcorão no que concerne à jihad (guerra santa). O versículo 190, «não pratiqueis agressão», é invocado, hoje em dia, com frequência, para demonstrar que a jihad pode ser apenas defensiva. Asad afirma que «este versículo e o seguinte estabelecem, de modo inequívoco, que apenas a auto-defesa (no sentido mais lato da expressão) confere aos muçulmanos autorização para fazer a guerra.» Contudo, o tafsir al-Jalalayn afirma que este versículo foi abrogado pelo versículo 9:1, o qual anula qualquer tratado celebrado entre os muçulmanos e os não-crentes. Ibn Kathir, por seu turno, não considera o versículo revogado.
Os versículos 204-210 advertem os crentes para que não duvidem, não apostatem, nem adiram ao islão com reservas. De seguida, dá-se início ao escrutínio de uma série de questões colocadas a Mafoma pelos seus seguidores — em cujas respostas revelou, entre outras coisas, o prodigioso significado da frase «a perseguição é pior que o morticínio» (a qual já surgira no versículo 2:191). É justamente aqui que reataremos este comentário na próxima entrada.
Sugestão de leitura: The Politically Incorrect Guide to Islam (and The Crusades) de Robert Spencer.